Família influi na obesidade infantil
Não basta preparar a refeição mais saudável, criar uma verdadeira
revolução na lancheira e matricular os pequenos na natação, no futebol,
na ginástica artística e no que mais for preciso para queimar calorias.
No tratamento da obesidade infantil, é fundamental uma atuação
interdisciplinar e uma perspectiva sistêmica em que a criança acima do
peso seja vista como parte de um todo. Em outras palavras, o
relacionamento entre pais e filhos e a história familiar são
determinantes no processo de emagrecimento e devem ser articulados com
as questões nutricionais e o processo de mudança de estilo de vida.
No recém-lançado livro Obesidade na Infância e Interações Familiares: Uma Trama Complexa
(editora Coopmed), a mestre em ciência da saúde e coordenadora do setor
de Psicologia do Hospital São Camilo, em Belo Horizonte, Valéria
Tassara, aborda a obesidade na infância ampliando o foco da
responsabilidade da própria criança para o contexto das relações
parentais e sociais. Fatores biogenéticos, familiares e psicossociais
inter-relacionados seriam definidores na constituição do problema.
O estudo, realizado no Ambulatório de Nutrologia Pediátrica do
Hospital das Clínicas, ressalta a importância de construir intervenções
em redes cooperativas e solidárias entre as famílias, os profissionais
de saúde, as instituições sociais e as políticas públicas para prevenir e
tratar o excesso de peso na infância. Segundo a especialista, sozinha,
seguindo um regime, a criança não consegue os efeitos necessários do
tratamento.
A entrada da psicologia no processo ajudou a compreender como as
crianças engordavam no contexto das relações familiares e sociais. Na
pesquisa, a psicóloga identificou que algum fenômeno na origem das mães,
como um sofrimento na família, favoreceria o emaranhado da relação com a
criança.
— Observamos vários aspectos transmitidos entre gerações, como a
obesidade e outras questões simbólicas. São valores e crenças
compartilhados ao longo dos anos, uma identidade familiar sustentada no
ser gordo. Não é só um padrão que se repete, mas um valor simbólico de
sobrevivência do grupo familiar, do sentimento de pertencimento.
Tornar-se magro e se diferenciar significaria ameaçar a existência da
família em dada geração — explica.
Responsabilidade compartilhada
Se a obesidade infantil tem tamanha relação com a identidade
familiar, vem a pergunta: é possível mudá-la? Como? Segundo a
pesquisadora Valéria Tassara, a repetição pode, sim, ser contestada. Os
próprios questionamentos dos familiares e das crianças permitem
constituir um espaço de conversação com o profissional para a construção
do processo de mudanças de hábitos alimentares e estilo de vida que se
tecem às questões relacionadas à identidade familiar, valores e crenças.
A profissional lembra, por exemplo, de uma mãe que perguntou:
"Aprendi que cuidar bem da minha família era dar muita comida. Como,
agora, isso pode fazer mal à saúde deles?". Nesse caso, o marido tinha
feito cirurgia de redução do estômago e a criança apresentou colesterol
alto. A intervenção na perspectiva da psicologia sistêmica propiciou a
construção de um contexto de autonomia em que os familiares e as
crianças registram seus objetivos, elaboram sua proposta-projeto
acordando entre eles suas responsabilidades compartilhadas para o
processo de mudanças.
A participação da família no processo de diferenciação da identidade
da criança é vivenciada como uma mudança que faz parte do ciclo de vida
familiar, e não como extinção da sobrevivência do grupo. O melhor
caminho é o da luta das famílias ao lado das crianças.
— Não para as crianças, e sim com elas. Que seja uma luta saudável no
sentido de haver uma mudança de hábitos e identidades, e isso ser
colocado como um projeto a ser construído pelo grupo familiar. Para
isso, é fundamental que os familiares e os profissionais vejam que o
problema é deles também, e não só da criança — acrescenta.
Há excesso de açúcar e gordura na dieta
Entre as crianças com idade de 10 a 13 anos, 80% consomem açúcar
acima do nível recomendado pelos nutricionistas. Os dados são de
pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que
registrou ainda consumo de gordura, pela mesma faixa etária, 89% acima
dos padrões, e ingestão de fibras 82% abaixo do recomendado pela
Organização Mundial da Saúde. Os dados foram apresentados pelo gerente
de Pesquisas de Orçamento Familiares do IBGE, Edilson Nascimento Silva,
no 8º Fórum Nacional de Alimentação Escolar, realizado no fim de maio em
São Paulo.
Para a nutricionista Joana D'Arc Mura, coordenadora do comitê
científico do fórum, os dados explicam o aumento da obesidade na
população brasileira, especialmente entre crianças e jovens. Tal
crescimento foi constatado pelo próprio IBGE em outro estudo. De acordo
com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), o excesso de peso entre
meninos de cinco a nove anos saltou de 10,9%, em 1974, para 34,8%, em
2009. Entre as meninas da mesma faixa etária, o sobrepeso subiu de 8,6%,
em 1974, para 32% há três anos.